LIBRAS

Onde Está o Moqueca?

Eu (Gabriel Medeiros) e minha amiga de pesquisa, Eliete Bertolo, tivemos a alegria de concluir nosso trabalho de pesquisa na UMEF Professora Nice de Paula Agostini Sobrinho neste primeiro semestre de 2024. Para nós, é muito gratificante estagiar nessa escola, pois ela é referência na área da surdez no município de Vila Velha, Espírito Santo. O estágio ocorreu dentro da disciplina de Libras da professora Alhandra Lanças.

Nosso objetivo nessa pesquisa foi observar a proposta da literatura em língua de sinais como estratégia de ensino da Libras como segunda língua (L2) para alunos ouvintes. A história tem aberturas para que os alunos insiram suas ideias e desenvolvam a criatividade, tornando a aula mais participativa. Dessa forma, eles podem acrescentar novos elementos, possibilitando a aprendizagem de outros vocabulários não incluídos no material, de forma contextualizada, abrindo assim maiores possibilidades na aquisição da Libras como segunda língua. O material contém sinais referentes a dias da semana, esportes, profissões, entre outros. Também aborda aspectos pertinentes à literatura surda, como a intenção de construir visualmente cenários, o uso de classificadores e o vernáculo visual. O material educacional “Onde Está o Moqueca?” foi organizado como um livreto para proporcionar uma imersão maior dos alunos no processo de construção de um livro.

Vimos que há diversos elementos que fazem parte da categorização da literatura surda. É assim em qualquer tipo de literatura. Algumas definições de tipos de literatura falam do material produzido durante um determinado período (por exemplo: “literatura do século XIX”), outras destacam literatura destinada a um grupo em particular (como a “literatura infantil”) ou produzida por autores de um país ou de um grupo particular (“literatura francesa” ou “literatura negra”). Um conjunto de literatura pode ser aquilo que foi produzido sobre um determinado tópico (“literatura de viagens” ou “literatura policial”) e outra divisão possível é literatura escrita ou literatura oral. Atualmente, a palavra “literatura” passou a incluir mais do que a palavra escrita e pode significar uma forma especial de se trabalhar criativamente com a língua em qualquer modalidade. Existem outras categorias, mas essas servem para mostrar que podemos ver a literatura surda a partir de diversas perspectivas. Como categorizar o livro O Quinze, de Rachel de Queiroz? É literatura brasileira (pensando no país de origem da autora, no contexto da história e na nacionalidade dos leitores esperados)? É um romance (por seu gênero literário)? É literatura escrita em português (acessível por leitores em Portugal, Angola ou Moçambique além do Brasil, por exemplo)? É literatura feminina (por ser escrita por uma mulher e pelo fato de o assunto ter características mais direcionadas às leitoras femininas)? É literatura modernista, do século XX (o livro foi escrito em 1930)?

SUTTON-SPENCE 2021, p. 43 – 44 

Pela perspectiva de Sutton-Spence, podemos considerar que o vídeo-livro produzido em sala de aula pode ser considerado literatura brasileira (levando em conta o país de origem dos estudantes)? É literatura infanto-juvenil (pois em sua trama mostram as aventuras de dois personagens adolescentes)? É uma fantasia (pois na história os personagens usam livros como portais para conhecer novos mundos)? É literatura surda (pela perspectiva de terem sido criados em Libras para o público surdo)?

Não visualizamos a cultura surda como algo localizado, fechado, demarcado. Ao contrário, como algo híbrido, fronteiriço. Visualizamos no sentido que Heidegger colocar o um pequenininho do lado do nome dele imprimiu aos locais da cultura quando considera que “Uma fronteira não é o ponto onde algo termina, mas, como os gregos reconheceram, a fronteira é o ponto a partir do qual algo começa a se fazer presente. ”

KARNOPP 2008, p. 4

Sendo assim, definimos a literatura dessa pesquisa produzida em sala de aula para fins de aprendizado da Libras como L2 para ouvintes de forma contextualizada como Literatura Surda Produzida por Ouvintes para que se preserve as raízes culturais da literatura surda convencional.

Diante dos estudos feitos até aqui notamos que quando se fala sobre Literatura Surda se tem a expectativa de que o texto aborde temas como a luta dos surdos para serem inseridos no mundo que é constituído em sua maioria por pessoas ouvintes. Mesmo que sejam representados por personagens em livros infantis eles trazem as dores da comunidade surda, representados em suas histórias.

Apesar da personagem Ana Bela da história “Onde Está o Moqueca?” ser uma personagem surda – podemos identificar em suas ilustrações contidas no material que ela possuiu um implante na lateral da cabeça – a literatura produzida em sala de aula tem a intensão de não considerar a surdez como algo que traz diferença entre os personagens. Visto que a história se passa no Mundobrel, um planeta existente no universo literário onde seus habitantes não possuem barreiras de comunicação, fazendo com que não haja necessidade da abordagem sobre fatores linguísticos.

A proposta sobre trabalhar em três aulas a escrita de uma história conjunta foi recebida com empolgação pelos alunos.             Todos os alunos de 6º aos 9º anos participaram das aulas fazendo uso do mesmo material de base “Onde Está o Moqueca?”. Puderam para além dos temas planejados aprender mais sobre aspectos da cultura surda como, também a importância do uso de classificadores e do visual vernacular na contação de histórias. 

De forma voluntária eles se dispunham a demonstrar suas interpretações de texto na frente da sala de aula. Então após a leitura da frase do livro incorporavam a personagem Ana Bela para demonstrar como a mesma surfava, praticava basquete entre outras atividades esportivas. Nesta mesma primeira aula, em um espaço separado no material para a escrita do português, seguindo o modelo estrutural de frase dadas como exemplos envolvendo a personagem Ana Bela, criaram a agenda semanal do personagem Jorginho.

Na segunda aula aplicada nas salas de aula os alunos revisaram a primeira parte da história que havia sido trabalhada na primeira aula e puderam trabalhar a tradução das frases criadas por eles condizentes ao personagem Jorginho. A proposta do material é que com o fechamento das dinâmicas o texto final varie mostrando em seu início o funcionamento da semana dos dois personagens; A semana da Ana Bela, criada pelo @mundobrel e a semana do Jorginho criada pelos alunos. Assim concluindo um texto de coautoria.

A terceira aula serviu para que os alunos, pudessem trabalhar noções espaciais e aprendessem os sinais referentes a profissões. Para isso, no material utilizado “Onde Está o Moqueca” foi disponibilizado um mapa de uma floresta. Este mapa induz que o aluno percorra o cenário com os dois personagens criando diálogos com pessoas caracterizadas de suas profissões; bombeiro, pescador, veterinário e fotógrafo. Neste mapa há uma escalada a ser feita onde o aluno pode escolher fazê-la por meio de um cipó preso a uma árvore no topo de um barranco ou subir utilizando pedras fincadas no mesmo. Após isso o aluno precisa decidir como atravessara um rio; pulando sobre objetos que flutuam ou a nado. O mapa é rico em detalhes possibilitando a criação de novas narrativas. Este recurso foi escolhido para que os alunos praticassem a contação de histórias montando cenários e fazendo bom uso do espaço ao seu redor para suas construções.  

Os caminhos do mapa levam até o personagem Moqueca, um beija-flor que simboliza o estado do Espírito Santo. A procura se dá na história porque após percorrerem toda a semana com suas atividades individuais Jorginho e Ana Bela se encontram no final de semana para uma viagem por meio de um livro com destino ao estado do Espírito Santo. Porém, ao chegarem no Pé de Livros, que serve como biblioteca, da professora Helena, eles ficam surpresos com a descoberta que o Moqueca, havia saído de dentro do livro do Espírito Santo e o levado junto em seu passeio pelo Mundobrel. A história termina com um final aberto para que os alunos possam a partir desse ponto criar novas histórias usando como enredo a visita dos personagens ao estado do Espírito Santo. A escolha deste tema se deu para que os alunos, que moram nesse estado, pudessem perceber a literatura surda como algo próximo a eles, familiar. A partir daí pudessem continuar com o enredo e até mesmo criarem personagens surdos moradores do estado do Espírito Santo. Ajudando assim a difundir e Literatura Surda no Espírito Santo.

🤟🏼

O encerramento das aulas ocorreu com a gravação de um vídeo-livro, cujo link foi disponibilizado no YouTube para que os alunos pudessem ter acesso ao resultado de sua obra. Alguns trechos da história criados em sala de aula pelos alunos foram selecionados para que, com a história concluída, pudesse haver a interpretação em Libras feita por três alunos ouvintes, registrada em vídeo.

Agradeço imensamente ao diretor André Camargo por ter permitido que este projeto fosse realizado na UMEF Professora Nice de Paula Agostini Sobrinho como também a toda a equipe de Libras da escola. Agradeço em especial a professora Alhandra Lanças e a professora Nathalia Castro por terem nos dado todo o suporte necessário para a conclusão deste estágio. Por fim, minha amiga Wanessa Raylla que foi responsável pela revisão de todo o material. 🤟🏼

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Passeio

Em setembro de 2023 os alunos surdos de 20 escolas de Vila Velha participaram de uma aula de Skate com o professor Junior. Aproveitamos a oportunidade do passeio na Ponta da Fruta para trazê-lo para dentro da disciplina de português da professora Elizabeth Tostes na UMEF Professora Nice de Paula Agostini Sobrinho.

O Mundobrel desenvolveu um material bilíngue que foi aplicado em todos os alunos surdos da UMEF Professora Nice de Paula Agostini Sobrinho e disponibilizado para as demais escolas envolvidas. Nesse material os alunos puderam ter os comandos das atividades representados pelo Brel em sua língua materna, Libras. O Brel é um personagem ilustrado que dialoga em Libras com os alunos.

Mais do que se trabalhar o ensino da gramática o material didático “Passeio” se propôs a tornar o português escrito algo mais próximo do cotidiano dos alunos surdos. Sobre a importância da usabilidade da L2, Possenti (1996, p. 54) diz que:

Em outras palavras, se ficar claro que conhecer uma língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. Que saber uma língua é uma coisa e saber analisá-la é outra. Que saber usar suas regras é uma coisa e saber explicitamente quais são as regras é outra. Que se pode falar e escrever numa língua sem saber nada “sobre” ela, por um lado, e que, por outro lado, é perfeitamente possível saber muito “sobre” uma língua sem saber dizer uma frase nessa língua em situações reais.

Para isso, dentro do caderno de atividades os alunos criaram legendas para fotos onde eles eram os protagonistas. O intuito foi mostrar para eles que o português está inserido em diferentes contextos da vida, inclusive no contexto social. Por meio da atividade “Passeio” a professora Elizabeth Tostes trabalhou em sua aula a importância de se escrever dentro da gramática normativa para que se tenha clareza na mensagem que queremos transmitir.

Foi percebido durante a aplicação do material que os alunos se sentiram incentivados a escrever em sua L2. A atividade contextualizada trouxe a experiência de vida dos alunos para dentro da sala de aula tornando o ensino mais familiar. O envolvimento entre os pares linguísticos tornou o trabalho ainda mais proveitoso. Foi perceptível o quanto o material bilíngue contribuiu para a aprendizagem dos alunos.

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Histórias Do Brel – VOAR

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